quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

GEOGRAFIA DO VINHO - O VALE DO RIO MOSEL, ALEMANHA, E OS BELÍSSIMOS VINHOS RIESLING

 

Eu sou bisneta e neta de alemães que chegaram ao Brasil em meados do século 20 e, por essa razão, a culinária alemã sempre fez parte do cardápio em minha casa e aprendi a fazer vários pratos típicos. Porém, apesar de participar frequentemente de degustações de vinho encontrar uma que faça harmonização entre comida alemã e vinhos alemães, é uma verdadeira raridade, mesmo aqui no Sul do Brasil, onde a imigração alemã foi mais expressiva. 

E olha que a culinária alemã cai como uma luva com vários tipos de vinhos, e mais, não é verdade que alemão só toma cerveja. Viajei várias vezes para a Alemanha, principalmente a trabalho, e em 90% dos jantares e eventos para os quais fui convidada a bebida era vinho, principalmente os brancos maravilhosos.

Porém, como aqui no Brasil a imagem dos alemães está muito ligada a Oktoberfest, muitos poucos lembram dos vinhos alemães e quando lembram, harmonizam com comidas não alemãs. Até com comida asiática já encontrei em um site onde havia sugestões de harmonizações, mas nem uma palavra sobre comida alemã.

Por essa razão, no final do ano passado, convidei alguns amigos amantes do vinho para um jantar em minha casa com o intuito de mostrar um pouco da comida alemã e sua harmonização com o Riesling, a mais emblemática casta de uva dos vinhos alemães. O menu do jantar foi tipicamente alemão, para poder desfrutar de um típico Riesling do Mosel:   

  • Knödel -  uma bola de massa (com formato parecido com bolinho de carne) feita a base de pão dormido (Semmelknödel), farinha e especiarias, pode ser feito também com batatas;
  •  Schnitzel – um tipo de bife à milanesa feito com filet de carne suína. A carne deve ser batida com um batedor de bife até ficar bem fininha;
  •  Ofenkartoffel mit feinen Kräutern – batatas cozidas com ervas finas;
  •  Páprica Schnitzel - que é um molho feito com uma mistura de páprica doce e picante, nata e um tablete de carne, simplesmente maravilhoso e que combina muito bem com os pratos mencionados acima. 

E, para encerrar o jantar, uma amiga de longa data (também descendente de alemães) fez como sobremesa um belíssimo Apfelstrudel (especialidade dela), doce bastante conhecido por todos, que consiste basicamente em uma massa folhada polvilhada com açúcar de confeiteiro e recheada com maçãs, passas e canela, que foi devidamente acompanhado de um espumante blanc de blancs.

Para harmonizar com o jantar servi um típico Riesling do Vale do Mosel, a principal região produtora deste tipo de vinho na Alemanha, e que é justamente conhecida e famosa mundialmente por produzir excelentes Riesling.  Foram servidos também na entrada um espumante Rosé e quando o Riesling acabou, um Rosé da Serra Gaúcha. 


O curso do rio Mosel (Alemanha) começa na França (Moselle), corre pelo território de Luxemburgo (Musel) e adentra o território da Alemanha onde flui por 250 km desaguando mais adiante, no rio Reno, que segue o seu caminho até o Mar do Norte. É ao longo deste sinuoso desfiladeiro onde o rio corre na Alemanha, que encontramos o mais clássico vinho Riesling do mundo.


O vale do rio Mosel, localizado entre as latitudes de 49° e 50° Norte, é uma das 13 regiões vitivinícolas alemãs (Weinbaugebiete) para vinhos de qualidade e que levam o nome do rio em seu rótulo sendo a terceira maior área produtora de vinhos da Alemanha.

É onde se concentra a maior área de cultivo da variedade Riesling em todo o mundo, com cerca de 9 mil hectares destinados a essa uva. É também, a maior em extensão territorial no cultivo de vinhedos em encostas, sendo a região vitivinícola mais antiga da Alemanha. A uva Riesling representa mais de 61,5% das terras vitivinícolas e, o vinho Riesling, foi registrado pela primeira vez no país em 1435, ou seja a 589 anos. Muitos consideram-na a região líder em termos de prestígio internacional. 


Ela está localizada no estado federal da Renânia-Palatinado, no Oeste do país, cobrindo os vale do Médio Mosel a montante ao Sul da bacia, nas proximidades de Trier e do Baixo Mosel até sua foz em Koblenz mais ao Nordeste na confluência com o rio Reno.

 Acredita-se que a viticultura foi trazida para esta zona pelos romanos que plantaram vinhas ao longo do Mosel e do Reno para terem uma fonte local de vinho para as suas guarnições. O vinho Mosel do período romano foi descrito como encorpado e "austero". Dizia-se que era um vinho mais fácil de beber do que o de outras áreas romanas. Um pouco diferente do que conhecemos do Riesling de hoje em dia, que se caracteriza por um vinho mais leve e com teor alcoólico não muito elevado.

O que torna o Vale do Mosel tão especial para este vinho e uva é uma combinação de geologia, geografia e história que torna esta região vitivinícola única. O vale é conhecido pelas encostas íngremes ao longo do rio, onde estão localizados os vinhedos. Estas são consideradas uma das áreas vitivinícola mais intensivas em mão-de-obra, do mundo, uma vez que a colheita mecanizada é impraticável, devido a forte inclinação do terreno. Isso faz com que sejam necessárias quase sete vezes mais horas de trabalho no Mosel do que em outras regiões vitivinícolas, com relevos mais suaves, como por exemplo o Médoc, na França.

Com encostas voltadas para Sudeste, Sul e Sudoeste (típico do hemisfério Norte) o que favorece a exposição solar das vinhas e, com inclinações que chegam a 68%, o vinhedo Calmont é considerado o mais íngreme registrado na Europa, pertencendo à vila de Bremm (veja localização na figura acima), sendo assim conhecido como Bremmer Calmont, onde a casta predominante é a Riesling. Ele está localizado em uma imponente e característica curva formada pelo rio Mosel, abrangendo cerca de trinta e três hectares de ardósia mineral, misturada com quartzito e arenito.

 

A região vinícola do Mosel tem um clima continental setentrional marcado por temperaturas amenas. A temperatura média anual do vale do Mosel é de 10°C, com a presença de invernos pouco rigorosos e praticamente sem geadas. Nesse período as temperaturas médias do meses mais frio giram em torno de 1 a 5 °C, sendo dezembro e janeiro os meses mais frios. Durante os meses de verão, o clima é quente com as temperaturas médias de julho, o mês mais quente, em torno de 18 °C. As chuvas são bem distribuídas ao longo do ano

 Devido a estas temperaturas mais amenas, o amadurecimento da uva Riesling é mais lento se comparado à outras regiões alemãs, por essa razão ela permanece mais tempo na videira. Isso permite o acúmulo de compostos aromáticos que são passados aos vinhos posteriormente.

A Riesling é uma uva que tolera climas mais frios e a topografia do vale do Mosel oferece várias características importantes que ajudam no amadurecimento das uvas:

  • Primeiro, o rio Mosel, que serpenteia pelo vale, reflete a luz do sol nas vinhas. Além disso, o rio ajuda a moderar a temperatura ambiente à noite, irradiando o calor que absorveu durante o dia;
  • Em segundo lugar, as encostas íngremes ao longo do rio permitem aos viticultores orientar as vinhas para que possam obter a maior exposição solar possível durante o dia. Essa inclinação permite que a luz solar mais direta entre em contato com as vinhas;
  • A elevada incidência de raios solares nos vinhedos, faz com que a uva Riesling seja mais aromática, o que dá aos vinhos um caráter refrescante e longevo, alguns podendo envelhecer por anos;
  • Adicionalmente, a forte presença da luz solar influencia o teor alcoólico dos vinhos com alguns exemplares apresentando menos que 7% de álcool em sua composição;
  • A composição do solo que conta com elevada presença de calcário, o que facilita a maior retenção de calor, é outro fator importante para o cultivo exitoso da uva Riesling.

 Mas e o vinho que tomamos no jantar?

É o Selbach Oster Zeltinger Himmerlreich Riesling Kabinett 2019, produzido pela renomada vinícola Selbach Oster, uma das maiores estrelas da região do Mosel, na Alemanha, e detentora dos melhores vinhedos de Zeltingen.

Zeltingen-Rachtig é um município da região do Mosel conhecido por seus vinhos da uva Riesling. Localizado em uma curva do rio Mosel, é composto por aldeias gêmeas que foram oficialmente documentadas como uma entidade combinada, no início de 1085, embora os rótulos dos vinhos apresentem apenas “Zeltinger” seguido do nome do vinhedo. Zeltingen-Rachtig está na Latitude de 49° 57’ 26” Norte e Longitude 7° 57’ 38” Leste, em uma altitude de 120m, na região do Mosel-Saar-Ruwer. 

 

Este vinho é elaborado 100% com uvas Riesling, sendo uma verdadeira expressão do terroir alemão, apresentando no aroma a delicadeza dos cítricos e um toque elegante de mineralidade defumada.


O Riesling alemão é conhecido por envelhecer bem. Um vinho de um produtor de qualidade de grande colheita pode durar até 40 anos. Mesmo vinhos com preços modestos podem envelhecer 5 anos e desenvolver uma tonalidade dourada profunda com aromas de mel e petróleo.

 Texto: Sausen, T.M.; Jan.2024

Fontes:

https://winefolly.com/deep-dive/mosel-valley-wine-guide/

https://www.mistral.com.br/regiao/mosel

https://www.enocultura.com.br/curiosidades-sobre-regioes-mosel/

https://www.vivino.com/BR/pt-BR/selbach-oster-zeltinger-himmelreich-riesling-kabinett/w/1666677

https://www.rimontgowineries.com/blog/bremmer-calmont-2/

https://en.wikipedia.org/wiki/Mosel_(wine_region)#:~:text=

 https://www.city-vino.com/blogs/blog/mosel-climate-change-and-dr-leimbrock/

http://www.sobrevinhoseafins.com.br/2016/02/cantina-alema.html

https://www.whatstheweatherlike.org/germany/mosel.htm#:


Se beber, não dirija !


Um comentário:

  1. Além da (sempre) espetacular aula, o jantar estava maravilhoso, harmonizando perfeitamente com os vinhos! E companhias agradabilíssimas!

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