Todos que são apaixonados por vinhos sabem que a grande maioria das regiões vitivinícolas do mundo encontram-se entre os paralelos 30° a 50° Norte e Sul, consideradas as latitudes ideais para o crescimento da videira e a produção de vinhos maravilhosos.
Porém,
esse é o mundo ideal, pois a geografia local muitas vezes impõe vários desafios
aqueles que se dedicam a vitivinicultura, principalmente quando ela ocorre nas
latitudes mais extremas desses 30° a 50°, consideradas ideais.
No
continente americano, com exceção da América Central, pode-se encontrar regiões
vitivinícolas desde a latitude de 46° Sul na Argentina, até a de 53° Norte no
Canadá. Isso proporciona uma imensa diversificação de climas, relevos, características
ambientais e legados históricos, que contribuem de forma decisiva para a grande
variedade de vinhos que temos no continente americano.
O
mapa da América do Sul tem a forma aproximada de um triangulo invertido, assim quanto
mais para o Sul menor é a quantidade de terras emersas. As correntes marítimas
frias (Humbolt no Pacífico e Malvinas no Atlântico), exercem forte influência
no clima em latitudes acima de 45° Sul, além das constantes ondas de frio
oriundas da Antártica. Isso, praticamente inviabiliza a vitivinicultura em
latitudes maiores que 46° Sul, ao contrário da América do Norte onde, há maior
quantidade de áreas emersas e vinhedos em latitudes acima de 50° Norte.
A
província de Chubut, no coração da Patagônia Argentina, é a província
vitivinícola mais austral (do Sul) das Américas. Está localizada entre as
latitudes de 42° Sul na fronteira com a província de Rio Negro, e de 46° Sul na
fronteira com a província de Santa Cruz. É limitada a Oeste pela Cordilheira
dos Andes (71° Oeste) e a Leste pelo Oceano Atlântico (65° Leste). É considerada
a “Última Fronteira do Vinho" devido ao seu clima extremo e condições
desafiadoras que tornam a produção de vinho um feito heroico.
Regiões
vitivinícolas na província de Chubut
Na
província de Chubut duas regiões são importantes para a vitivinicultura, os
Andes e a Planície Central.
Os
Andes, localizados na
porção mais a Oeste da província, estão presentes ao longo da fronteira com o
Chile, onde os ventos úmidos oriundos do Oceano Pacífico, se elevam e ultrapassam
a cordilheira, fazendo com que a umidade precipite no lado argentino dela, deixando
o restante da província em direção ao Leste, árida.
O relevo de cordilheira nessa região se destaca por seus picos com altitudes entre 1.500 e 2.000 metros, que vão decrescendo em direção ao Sul da província. É onde o clima frio desafia a produção de variedades de uvas tradicionais, destacando-se o predomínio das variedades brancas.
É nessa porção da província de Chubut mais ao norte, entre as latitudes de 42° e 43° Sul, na cordilheira, que estão localizadas duas importantes áreas vitivinícolas, El Hoyo e Trevelin.
Já
Planície Central ocupa cerca de 80% do território da província de
Chubut. Apresenta um relevo de planície e alta aridez, ou seja, é o
oposto da região dos Andes. É caracterizada
por sua superfície plana e de baixa altitude, em torno de 300 metros. Essa é a
porção mais árida e plana de Chubut.
No
extremo sul da província, mais próximo do Oceano Atlântico do que da
cordilheira, está localizada outra área vitivinícola importante, Sarmiento,
na latitude de 45°55’Sul. Esse é o ponto mais Austral da
vitivinicultura no hemisfério Sul, uma vez que está mais ao Sul que a
província de Queenstown, na Nova Zelandia, que está a 45°31’S.
Clima
das regiões vitivinícolas da província de Chubut
O
tipo climático predominante na província é frio e semiárido, com uma grande
amplitude térmica diária. As temperaturas médias anuais variam de 8°C a 12°C.
No inverno, podem chegar a -10°C e no verão, podem atingir mais de 40 °C. A
média anual de precipitação pluviométrica é de cerca de 250mm, com chuvas mais
concentradas entre os meses de abril e maio.
Contudo, há que se ter em mente que as condições climáticas sofrem mudanças importantes à medida que nos afastamos da Cordilheira, mais úmida e mais “verde”, e nos aproximamos da costa do Atlântico, mais seca. Apesar de que a maioria das vinícolas produzam vinhos com as mesmas variedades de uva, essa diferença entre o clima de montanha e o de planície, se refletirá nas características dos vinhos.
A altitude é um fator determinante na
definição deste clima. As temperaturas baixam consideravelmente durante o inverno,
com temperaturas que diminuem com a elevação e a formação de paisagens
montanhosas sendo a média anual de 8°C, não raro elas chegam a 0° C. As precipitações variam de 700 mm a mais de
2.500 mm/ano e a ocorrência de neve durante o inverno.
O clima frio os ventos fortes e as geadas
conferem aos vinhos dessas áreas vitivinícolas características únicas, como
frescura, notas frutadas e boa acidez.
Na
maior parte do território da província de Chubut predomina o tipo climático
Árido Frio que corresponde a Planície Central. É caracterizado por verões
quentes e invernos frios, pela grande variação de temperatura anual e pela alta
diferença de temperatura entre o dia e a noite.
Em
Sarmiento o clima é árido frio, com verões ensolarados, porém com invernos
frios, grande amplitude térmica e precipitação média ao redor de 200 mm/ano.
Nessa parte da província as temperaturas no verão, podem atingir mais de 40 °C,
sendo a temperatura média anual de 10° a 12 °C.
As latitudes abrangidas pelo
território da provincia de Chubut está entre 42° Sul e 46° Sul. Asssim, desde o
Norte até o Sul da provincia são pelo menos 4 diferentes latitudes, sendo que a
distância em km entre cada uma delas é de aproximadamente 111km. Essas distâncias
são suficientes para que a provincia apresente climas diferentes entre o Norte
e o Sul, o que seguramente irá interferir diretamente no cultivo das uvas e no vinho produzido, mesmo
que a maioria das vinícolas cultivem as mesmas variedades de uvas.
Assim, na provincia de Chubut as
temperaturas, entre a porção Norte (menor latitude) e a porção Sul (maior
latitude), variam ao longo do ano. No inverno, a temperatura média nos meses
mais frios varia de 6° a 7 ° nas partes do Norte da província (El Hoyo e
Trevelin), e de 4° a 7 °C nas partes do Sul (Sarmiento).
Uma
característica definidora do clima na província de Chubut é o vento forte
presente em todo o seu território. Ele é um fator adicional que torna a maior
parte dela seca, uma vez que favorece a evaporação da umidade.
Mas
porque descrever com mais detalhes o clima de uma região vitivinícola? Porque todas
essas variáveis climáticas definem o tipo de vitivinicultura, as variedades
cultivadas e os tipos de vinhos produzidos nela, em qualquer parte do mundo.
A vitivinicultura em Chubut ainda é jovem,
porém já demonstra um grande potencial sendo a Pinot Noir a estrela da
Patagônia Austral. É a variedade que se destaca na região, sendo praticamente
cultivada por todas as vinícolas.
A influência do clima na vitivinicultura fica
evidente se tomarmos como exemplo essa variedade, que é cultivada em Mendoza e
em Chubut. Em ambas as províncias essa casta inicia sua brotação na mesma época
do ano, mês de outubro. Porém, o período de colheita é diferente de uma para
outra, e a latitude e o clima local são fatores importantes nessa diferença.
Mendoza está a 32°89’ S e a 853m de altitude e
Trevelin, em Chubut, está a 43°09’ S e a 380 m de altitude. Mesmo Mendoza estando
a 473 metros de altitude acima de Trevelin, as temperaturas nessa são menores,
porque a latitude é maior. Veja os gráficos
de temperatura e precipitação que seguem.
Em Mendoza a colheita acontece entre o final
de janeiro e início de fevereiro, já em Chubut a colheita tem início em meados
de abril, isso se deve ao frio nessa região que exige um tempo de cultivo maior
para o amadurecimento das uvas. Essas diferenças no clima, irão aparecer de
forma significativa no perfil sensorial do Pinot Noir de cada uma das regiões,
na hora da degustação.
O clima frio de Chubut, ventoso, com verões
curtos, invernos rigorosos e ventos constantes, faz com que as vinhas cresçam
em um ritmo lento, resultando em vinhos mais delicados, leves, de alta acidez e
aromas refinados.
Em
Chubut cultivam-se variedades mais adaptadas ao clima frio e de ciclo curto,
como a Chardonnay, Gewürztraminer, Pinot Gris, Riesling,
Sauvignon Blanc, Pinot Noir e Merlot.
Terroirs
Únicos:
A produção de vinho em Chubut impulsiona a indústria do vinho argentina, para além das regiões mais tradicionais, como Mendoza, mostrando que é possível produzir vinhos de alta qualidade em regiões antes consideradas impróprias e de grandes desafios para o cultivo de uvas.
A
região de El Hoyo, no extremo Norte, expressa a sua tipicidade, com
vinhedos que foram recuperados após um incêndio e que agora produzem vinhos com
alta qualidade e identidade. Nela são encontradas
as seguintes vinícolas:
Patagonian
Wines: é a bodega
pioneira na produção de vinhos na região. Fundada por Bernardo Weinert, um brasileiro
radicado na Argentina, com o enólogo Darío González Maldonado, deu início a produção
vitivinícola da Patagônia. Situada a 10 km ao Sul do paralelo 42° Sul, a
300m acima do nível do mar e a 17Km da fronteira com o Chile. O primeiro
vinhedo, da variedade Merlot, foi plantado em 1998. Possui 12,5 hectares, dos
quais 10,5 são cultivados com Merlot, Pinot Noir, Chardonnay, Riesling e Gewürztraminer.
Devido ao sensível aumento das temperaturas, nos últimos anos, castas tintas de
ciclo mais longo, como a Merlot, têm se adaptado muito bem na região. A
vinícola produz cerca de 80.000 garrafas por ano.
(https://patagonianwines.com/)
Bodega
Y Viñedos Ayestarán Allard: produz
vinhos com a Indicação
Geográfica (IG) El Hoyo. A vinícola boutique está localizada nas encostas da colina
Currumahuida. As variedades plantadas são Chardonnay, Gewürztraminer, Riesling,
Sauvignon Blanc, Merlot e Pinot Noir. Os
verões frescos e de grande amplitude térmica permitem uma maturação prolongada
e completa das uvas. Além disso, os solos, predominantemente argilosos e
permeáveis, acumulam as águas das chuvas, dispensando a irrigação artificial.
(https://www.instagram.com/bodega.ayestaran/ https://www.facebook.com/profile.php?id=61555137437984#)
Na região de El Hoyo são encontradas também
as vinícolas Bodega Chacra Adamow, Bodega y Viñedos Oriundo e Mammarelli Wines.
Na
região de Trevelin destacam-se as seguintes vinícolas:
Viñas
del Nant y Fall: Vinícola
pioneira na região, localizada a 12 km de Trevelin, na Ruta 259 que leva ao Chile. Um empreendimento
familiar iniciado em 2010 e que se tornou um ponto para o enoturismo. Tem
plantado 2,5 hectares de videiras, que produzem cerca de dez mil garrafas. As
principais variedades são a Pinot Noir original e a Chardonnay, Gewürztraminer,
Riesling e algumas fileiras de Torrontés.
(https://www.instagram.com/vinasdelnantyfall/?hl=es;
https://blog.winesofargentina.com/pt-pt/wofa-pt/vinas-de-nant-y-fall/)
Casa
Yagüe Vinos Australes: Localizada
a 22 km de Trevelin, produz vinhos com foco na sustentabilidade e
produção artesanal. Iniciou sua produção em 2014, com o plantio de uvas Chardonnay
e Sauvignon Blanc. O primeiro vinho foi lançado em 2017. Atualmente tem vinhedos
das variedades Semillón, Marsanne, Cabernet Franc, Pinot Noir e Malbec.
(https://www.instagram.com/casayague/;
https://www.interpatagonia.com/trevelin/casa-yague-discovering-southern-wines.html)
Contra
Corriente: O
nome da vinícola é inspirado no fato de que as trutas, peixe típico da
Patagônia, nadam contra a corrente em águas rasas, no período da desova. A
bodega tem 4 hectares de vinhas plantados em solos que variam de aluviais a
argilo-glaciais. As castas são Pinot
Noir, Chardonnay, Gewürztraminer e Riesling, produzindo menos de 10.000
garrafas de vinho por ano. Contra Corriente é um projeto de dois amigos de
infância, pioneiros em uma nova região vinícola. É uma das
primeiras vinícolas a utilizar o clima extremamente frio e o terroir
do Sul da Patagônia para produzir vinhos únicos, gastronômicos e frescos, mais
complexos e intensos.
(https://contracorrientewinery.com/)
Em
Trevelin também podem ser encontradas as vinícolas Familia Schroeder, Bodega
Ribera del Cuarzo e a Bodega Miras
Em
agosto de 2020 o Instituto Nacional de Vitivinicultura reconheceu Trevelín
como Indicação Geográfica (IG). É uma das mais novas indicações geográficas
(IG) da Argentina, alcançada em 2020.
Na
região de Sarmiento, no extremo Sul da província de Chubut, destaca-se a
vinícola Bodega Otronia, situada “En La Frontera de lo Posible” conforme
mencionado no site da vinícola. É a vinícola mais austral do mundo e se
autodenomina "Patagônia Extrema", devido ao clima extremo e ao
desafio de cultivar videiras nessa região Sul do planeta. Localizada no coração
da Patagônia, no paralelo 45°33’ Sul, é provavelmente, a última fronteira do Sul
para cultivar videiras. Está localizada as
margens do Lago Musters e o nome Otronia vem dos antigos povoadores que
chamavam de Otrón esse lago. O clima
frio de Sarmiento tem grande influência no caráter dos vinhos, na acidez, na
pureza e no perfil aromático distinto. O plantio de uvas começou em 2010 com as
variedades Chardonnay, Gewürztraminer, Pinot Gris, Riesling, Torrontés, Pinot
Noir, Merlot e Malbec.
Devido
ao fato dessas vinícolas estarem localizadas na porção mais austral possível
para a produção de vinho, as torna únicas e um verdadeiro desafio, mas ao mesmo
tempo uma experiência enriquecedora para a vitivinicultura.
Fontes:
https://blog.winesofargentina.com/pt-pt/breaking-pt/comarca-andina-2/
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