sábado, 27 de abril de 2024

Mudanças climáticas: Como elas estão afetando a vitivinicultura nos quatro cantos do mundo

 

Mudança climática se refere as transformações de longo prazo nos padrões de temperatura e clima. Essas alterações podem ser naturais, porém, desde o século 18 as atividades humanas têm sido sua principal causa, notadamente devido a queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), que produzem gases que retêm o calor.

A queima desses combustíveis gera emissões de gases de efeito estufa que agem como um grande cobertor em torno da Terra, retendo o calor do sol e aumentando as temperaturas, como demonstrado na figura que segue.


Pequenas mudanças na temperatura média global podem causar mudanças importantes e perigosas no tempo e no clima. Se ela acontecerem regularmente por meses em uma dada região que depende de um ciclo natural de acumulação de neve no inverno e de precipitação na primavera, ou, ocorrerem em áreas tradicionais de vitivinicultura que dependem do ciclo natural das quatro estações para o bom desenvolvimento dos vinhedos, isso pode promover uma grande mudança na dinâmica do lugar, alterando a vida cotidiana e até mesmo as fontes de renda das pessoas, como por exemplo a produção de uvas para vinho. 

Compreender a influência das mudanças climáticas no potencial de produção de vinhos é uma grande preocupação científica. Pelo menos uma centena de trabalhos científicos e reportagens sobre o tema já foram publicados, mostrando os efeitos importantes  na vitivinicultura e no nosso vinho de cada dia.  

A história mostra que as estreitas zonas climáticas (30° a 50° N e S) para o cultivo de uvas para vinho são especialmente propensas as variações do clima e as mudanças climáticas de longo prazo. As uvas viníferas são sensíveis às condições climáticas, como temperatura, excesso de chuva e seca extrema. 

Em geral os efeitos das mudanças climáticas tem chamado mais atenção em vinhedos localizados em países do hemisfério Norte que, por ter maior quantidade de terras emersas  do que o hemisfério Sul  e, de regiões vitivinícolas  localizadas principalmente em  áreas  com maior continentalidade (salientadas no mapa que segue), já sofrem de maneira mais acentuada os efeitos dessas mudanças. 


 

Mas, tais efeitos já são visíveis em todo o mundo, mesmo aqui no Brasil e nas regiões vitivinícolas da América do Sul, África, Austrália e Nova Zelândia, onde as áreas emersas são menores. Eles afetam no rendimento dos vinhedos, na composição das uvas e na qualidade dos vinhos, com consequências já e a serem observadas em breve na geografia da produção do vinho. 

O tipo de clima de uma região influencia decisivamente no tipo de uva e de vinho que irá produzir. As alterações climáticas podem criar mudanças dramáticas nos locais de produção do vinho, como por exemplo tornando os vinhedos insustentáveis em algumas regiões, mas abrindo novas oportunidades em outras. Um exemplo disso é o que se observa no Sul da Inglaterra, país com pouca tradição de vitivinicultura, mas que atualmente, vem sendo uma nova opção de terroir para a produção de espumantes.

Porém, essa adaptação as novas regiões vitivinícolas não significa, necessariamente,  que nelas poderão ser  produzidas as mesmas variedades de uvas,  para vinhos ou espumantes,  que tradicionalmente são produzidas na França, Itália e California,  por exemplo. 

As atuais e mais tradicionais regiões vitivinícolas estão localizadas principalmente em latitudes médias (30° a 50° N  e S), tais como a Califórnia nos Estados Unidos, Sul da França; Norte da Espanha e Itália; Vale do Barossa na Austrália; Stellenboch na África do Sul; Mendoza na Argentina; Vale Central no Chile; Campanha Gaucha e Serra do Sudeste no  Brasil. Nelas é onde o clima é quente o suficiente para permitir o amadurecimento das uvas, sem calor excessivo e relativamente seco para evitar forte pressão de doenças. 

Em março deste ano, pesquisadores da Université de Bordeaux e Université de Bourgogne publicaram um artigo na renomada revista Nature Reviews Earth and Environment, com os resultados de um estudo cientifico  onde eles  analisaram as tendências futuras nas regiões vitivinícolas atuais e em desenvolvimento em todo o mundo para adaptar a produção de vinho às mudanças climáticas

Nesse estudo eles abordaram as consequências das alterações de temperatura, precipitação, umidade, radiação solar e CO2 na produção global de vinho, bem como exploraram estratégias de adaptação. Os pesquisadores  mapearam como  a distribuição global dos vinhedos provavelmente mudará, em função do aquecimento global. Como resultado,  concluíram que a geografia da produção do vinho  no mundo está mudando, conforme demonstrado no mapa que segue, elaborado pelos autores do artigo



Nessa figura a adequação atual nas regiões continentais é notada pelo sombreado verde dos hexágonos, desde menos adequado (verde claro) até mais adequado (verde mais escuro). A variação das cores em tons de rosa dos hexágonos, expressa o potencial de adequação das novas áreas vitivinícolas, com grande ênfase para os países mais ao norte da Europa. 

A mudança futura de adequação nessas regiões é notada pela cor dos pontos dentro dos hexágonos de acordo com a chave (níveis de adequação de mudanças): o ponto da esquerda representa a mudança para um cenário em que há aquecimento global de até 2 °C; o ponto da direita a mudança para um aquecimento de 2-4 °C; o tamanho do ponto (maior ou menor) representa a confiança da avaliação.

Os resultados do estudo, mostram que cerca de 90% das regiões vitivinícolas tradicionais costeiras e de baixas altitudes do sul da Europa (Espanha, Itália e Grécia) e Sul da Califórnia poderão já não ser capazes de produzir bons vinhos em condições economicamente sustentáveis ​​até o final do século, se o aquecimento global exceder +2°C. Devido as alterações climáticas, elas estariam sujeitas à seca excessiva e às ondas de calor  mais frequentes, o que já vem ocorrendo atualmente. 

Por outro lado, as temperaturas mais elevadas  poderiam aumentar a aptidão de outras regiões para a produção de vinhos de qualidade (legenda em azul no mapa), como por exemplo o Norte da França, os estados de Washington e Oregon nos Estados Unidos, a província  Colúmbia Britânica no Canadá e a Tasmânia na Austrália. Adicionalmente poderia impulsionar o surgimento de novas regiões vitivinícolas, como já vem ocorrendo no Sul da Inglaterra (50°N) ou de países localizados em  latitudes maiores ainda como  os Países Baixos (52° N), a Dinamarca (55° N) e a Suécia (59°N) onde já existem algumas áreas de vitivinicultura. 



O grau destas alterações na adequação das zonas vitivinícolas depende fortemente do nível de aumento da temperatura. Adicionalmente, os estudos  descobriram que o surgimento de novas doenças e pragas, e um aumento na frequência de eventos extremos (geadas, nevascas, temporais, secas extremas), também desafiarão os vitivinicultores.

Os produtores de vinho das regiões que já estão sendo afetadas pelas mudanças climáticas, podem adaptar-se a um determinado nível de aquecimento alterando, por exemplo,  o material vegetal como variedades de uva e porta enxertos, os sistemas de condução e a gestão das vinhas. Porém, tais adaptações podem não ser suficientes para manter a produção de vinho economicamente viável em todas elas. 

É importante para a vitivinicultura mundial, que estudos futuros tenham como objetivo avaliar o impacto econômico das estratégias de adaptação às alterações climáticas aplicadas em grande escala. 


Fontes: 

https://www.nature.com/articles/s43017-024-00521-5

https://www.beveragedaily.com/Article/2024/04/03/Climate-change

https://www.preventionweb.net/news/global-map-how-climate-change-changing-winegrowing-regions

https://www.cbsnews.com/news/wine-regions-threat-climate-change/
https://www.climaemcurso.com.br/blog/category/mudancas-climaticas-2/
https://brasil.un.org/pt-br/175180-o-que-são-mudanças-climáticas

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