Creio que alguns de vocês sabem que além de sommelière e grande apreciadora de vinhos, sou graduada e doutora em Geografia e, sou gaúcha. Quem acompanha as minhas publicações já deve ter se acostumado com o toque geográfico que gosto de abordar o mundo do vinho. Sabe também que sou autora do livro Geografia do Vinho: As grandes regiões vitivinícolas brasileiras, publicado pela Editora Idesf e escrito em parceria com dois colegas, o Dr. Marco Antonio Fontoura Hansen-UNIPAMPA e o Físico e Winemaker Antônio Pedro Coco-ABW.
Por alguns anos coordenei um grupo de pesquisas sobre desastres naturais-GEODESASTRES-SUL/INPE e participei de várias atividades nacionais e internacionais da UN-SPIDER, grupo das Nações Unidas que trata do tema.
Região do interior de Bento Gonçalves, RS, foi atingida por deslizamentos de terra. A previsão de chuva acende o alerta para risco de novos episódios. Neimar De Cesero / Agencia RBShttps://gauchazh.clicrbs.com.br/pioneiro/geral/noticia/2024/05/prefeitura-de-bento-goncalves-estima-que-150-pessoas-devam-deixar-faria-lemos-e-tuiuty-clvy48u1r003a01am3yt3iib5.htmlNesse momento em que o Rio Grande do Sul, o maior estado produtor de vinhos no país, está passando por eventos desastrosos que afetam profundamente a sua economia e a vida de toda sua população, eu não poderia deixar de escrever um artigo, do ponto de vista geográfico, sobre os eventos severos que afetaram todo o estado neste mês de maio e suas consequências nos municípios vitivinícolas
Como amplamente divulgado na imprensa nacional e internacional e vivenciado de forma dramática pelo povo gaúcho, o Rio Grande do Sul foi assolado por chuvas pesadas e constantes que afetaram 464 (93%) municípios dos 497 existentes no estado.
Nunca antes - nem mesmo na inundação ocorrida em1941, que até o momento era o marco mas excepcional de inundações no estado e na capital gaúcha - o Rio Grande do Sul foi assolado por uma tragédia sem precedentes que teve seu início no final de abril, e que até o momento seus efeitos ainda são sentidos de forma tão dramática.
A combinação de imagens dos satélites Amazonia-1 e CBERS-4, do INPE, que segue, dá uma ideia da área atingida pelos desastres em toda bacia hidrográfica do Guaíba e de seus respectivos afluentes, onde está salientada a bacia do Taquari-Antas, onde se localiza região vitivinícola da Serra Gaúcha.
Vocês devem estar se perguntando "a região vitivinícola da Serra Gaúcha atingida pelos desastres conforme amplamente divulgado nos últimos dias, pelos meios de comunicação, pode ser visitada e ainda por cima degustarmos bons vinhos?"
A resposta é sim, os vinhedos e as vinícolas não foram atingidos (com exceção de duas) e os consumidores podem visitá-las e comprar os seus vinhos, que também não foram atingidos. A safra de 2024 está garantida. Essa informação é verdadeira.
Para sorte dos produtores de vinho e de nós consumidores, agora, no momento em que ocorreram os desastres no Rio Grande do Sul, as videiras já perderam as folhas e estão se encaminhando para o seu período de dormência. A colheita aqui no estado em geral é finalizada na segunda quinzena de março o que significa que quando as chuvas começaram, na ultima semana de abril, toda a safra já estava colhida e as uvas processadas.
Mas isso não significa que os municípios vitivinícolas não estejam enfrentando dificuldades, ao contrário, principalmente os da Serra Gaúcha, em especial Bento Gonçalves, onde ocorreram vários deslizamentos, muitas estradas seguem interditadas ou com restrições de acesso. Isso seguramente, deverá impactar, por um tempo, o enoturismo na região e o transporte dos vinhos até o consumidor final.
Nessa carta imagem, cada ponto na cor amarela é uma área de deslizamento. Esse meandro do rio das Antas que aparece na carta imagem, é bastante conhecido por todos que visitam Bento Gonçalves.
O Núcleo de Risco Geológico de Bento Gonçalves, que realiza o detalhamento das áreas afetadas, registrou 84 bloqueios em estradas do município, entre elas tem-se as nacionais, estaduais e municipais.
As áreas de serra são as mais propicias para deslizamentos, principalmente em períodos de chuva excessiva e, muitos vinhedos do estado estão localizados em regiões de serra. A Emater-RS estima que pelo menos 500 hectares de vinhedos foram danificados, do total de 44 mil existentes no Rio Grande do Sul, sendo que 2% deles estariam comprometidos. Este total ainda pode crescer, conforme os técnicos forem acessando as propriedades.
O mapa que segue mostra os municípios afetados em vermelho, são os que decretaram Estado de Calamidade Pública ou Situação de Emergência. Do total de 464 afetados, 78 decretaram Estado de Calamidade Publica e destes, 14 são municípios vitivinícolas, sendo que a maioria deles estão localizado na região da Serra Gaúcha. Os municípios apontados no mapa são produtores de vinho.
De acordo com a Defesa Civil, o Estado de Calamidade Pública, é o reconhecimento legal pelo poder público de situação anormal, provocada por desastres, causando sérios danos à comunidade afetada, inclusive a incolumidade (isenção de perigo, de dano; segurança) ou à vida de seus integrantes. Essa medida é tomada quando ocorrem situações emergenciais que fogem à normalidade e demandam investimentos de recursos extraordinários.
Como exemplo tem-se Bento Gonçalves, onde ocorreram 150 deslizamentos e 84 bloqueios de estradas. Os deslizamentos destruíram casas, lavouras e os bloqueios de estrada dificultam alguns acessos, o que poderá afetar o enoturismo na região (
https://globoplay.globo.com/v/12631940/). Esta atividade é importante para as vinícolas, uma vez que ao redor de 50% de suas vendas é fruto das visitas dos consumidores as suas instalações, ou seja, do enoturismo. Mas os órgãos encarregados da manutenção de estradas estão atuando fortemente para restabelecer todos os acessos na região, principalmente porque ela é um importante polo industrial do estado que exporta vários produtos, não apenas vinho, para vários países.
O mapa que segue mostra a localização de alguns dos 69 municípios vitivinícolas, dentre os 385 que decretaram Situação de Emergência, em todo o estado.
De acordo com a Defesa Civil, Situação de Emergência, é o reconhecimento legal pelo poder público de situação anormal, provocada por desastres, causando danos superáveis (suportáveis) pela comunidade afetada. O comprometimento é parcial, a crise é menos grave e ainda não afetou a população. Assim, os esforços de recuperação deste municípios vitivinícolas do Rio Grande do Sul, não demandarão tantos esforços como os que foram afetados na Serra Gaúcha e estão em Estado de Calamidade Pública. Sendo assim, todos os municípios vitivinícolas que se encontram nessa situação, continuam com suas atividades normalmente, em todo o estado.
No recorte da região vitivinícola da Serra Gaucha, que eu fiz utilizando dados do topographic-map.com em preto estão identificados os municípios que decretaram estado de Calamidade Publica e em azul os que decretaram Situação de Emergência.
Ironicamente, no momento é mais fácil para um amante do vinho que mora em outro estado do Brasil chegar a Bento Gonçalves, para tomar o seu vinho tranquilamente, do que eu que moro em Porto Alegre. Com as inundações a cidade ficou isolada por alguns dias, pois todos os acessos de saída ou entrada estavam cobertos por água. Na última semana foram criados dois corredores emergenciais que nos permitem sair-entrar na cidade e ontem foi criado mais um que dá acesso a Freeway.
Já as pessoas de outros estados que se dirigem para Bento Gonçalves, por avião, tem a sua disposição o aeroporto de Caxias do Sul, que fica a poucos quilômetros de distância. O aeroporto de Porto Alegre, o maior do estado, continuada inundado. O acesso por rodovia, pelo norte do estado, também está mais facilitado, do que de Porto Alegre para Bento Gonçalves. É essa rota, pelo norte do estado, fronteira com Santa Catariana, que é utilizada por caminhos com doações vindas de todos os cantos do país.
Nada é mais importante em um momento como esse, onde muitos perderam praticamente tudo o que tinham, do que contar com o apoio de bons amigos. Um exemplo disso, foi o apoio recebido pelo proprietário da Valparaiso Vinhos e Vinhedo, localizada no município de Barão, na Serra Gaúcha.
Arnaldo Antônio Argenta teve parte de sua vinícola destruída pelas chuvas. Apesar disso, ele e sua filha Naiana Argenta, seguem acreditando na vinícola, sem perder a essência do que fazem. Porém, Lucas Foppa, sócio-propietário da Vinícola Tenuta Foppa e Ambrosi de Garibaldi e Felipe Bebber, enólogo da Vinícola Familia Bebber, que já havia passado por situação semelhante em novembro de 2023, ao saberem do ocorrido mobilizaram suas equipes para auxiliar na limpeza pesada para que a Valparaiso pudesse começar a se reerguer.
Uma coisa é certa, apesar de todas as dificuldades pelas quais o Rio Grande do Sul está passando nesse momento, das várias tragédias ocorridas, os amantes do vinho não precisam ficar temerosos de que esse precioso líquido possa faltar. Ele está lá nas vinícolas esperando por nós.
Talvez, por problemas de logística causados pelo atual estado precário de algumas estradas ou pela limitação de voos para o Rio Grande do Sul por causa dos danos causados ao nosso principal aeroporto, o vinho possa demorar um pouquinho mais para chegar as suas mãos. Mas acreditem, ele chegará e não faltará.
Assim, continuem comprando e bebendo vinho gaúcho, a safra de 2024 está esperando por vocês!
Se beber, não dirija!
Fontes:
https://bentogoncalves.atende.net/cidadao/noticia/nucleo-de-riscos-geologicos-84-bloqueios-em-estradas-do-municipio-foram-registrados
https://disasterscharter.org/
https://pt-br.topographic-map.com/
https://www.canalrural.com.br/agricultura/vinhedos-sao-devastados-por-enchente-no-rs-e-setor-luta-pela-recuperacao/
Excelente conteúdo! Nesta hora tão difícil para o RS, é importante dar visibilidade ao enoturismo e consumo de produtos daqui.
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