Com
a renúncia do Papa Bento XVI o papa e todos os temas relacionados a ele
entraram na moda. Ao invés de comentar sobre o rebuliço que esta notícia causou
em todo o mundo, de questionar se ele deveria ou renunciar, ou como a igreja
católica fará para viver com dois papas ao mesmo tempo, resolvi escrever sobre
o Châteauneuf-du-Pape, o vinho do papa.
Châteauneuf-du-Pape é uma Appellation d'Origine
Contrôlée (AOC) de vinho,
nas imediações da localidade de Châteauneuf-du-Pape
no Vale do Rhône meridional, no sudeste da França. Esta é
a AOC mais notória das Côtes du Rhône Meridionales.
O
vilarejo de Châteauneuf du Pape, com cerca de dois mil habitantes está situado
em plena Provence e dá nome a uma das regiões produtoras de vinho mais
reputadas da França. Este vilarejo já existia desde o século 10, mas sua
história foi fortemente influenciada pela chegada dos papas na cidade de
Avignon no início do século 14.
O rei da
França, Felipe IV (1268-1314), quando foi excomungado pelo papa italiano
Bonifácio VIII, mandou prende-lo e colocou em seu lugar um conterrâneo seu
Bertrand de Goth, que era arcebispo de Bordeaux. Bertrand se
tornou papa em 1305 com o nome de Clemente V, tendo sido o primeiro dos
chamados Papas do Vinho. Em 1309 ele
transferiu a corte de Roma para Avignon, no Sul da França, onde a sede do
papado permaneceu por 70 anos.
Clemente V foi o fundador de um vinhedo em Bordeuax,
o Château Pape Clement, portanto um conhecedor de vinhos que ordenou a
plantação de parreirais na região de Châteauneuf. Mas foi o seu sucessor, João XXII, que
foi papa no período de 1316 a 1334, e que também era apaixonado por vinhos, que
deu impulso ao desenvolvimento dos vinhedos na região. Foi ele que construiu o
lendário castelo Châteauneuf du Pape, hoje apenas uma ruína uma vez que ele foi severamente danificado durante as guerras
religiosas do século 16 e no final do século 18, na Revolução Francesa. Durante a Segunda Guerra
Mundial, ele foi utilizado pelos alemães como um ponto de observação, tendo
sido posteriormente abandonado e dinamitado com a chegada das tropas aliadas.
Este
castelo foi a residência de verão dos papas, até o ano de 1378, quando o papado
voltou para Roma, e foi construído estrategicamente sobre um monte rochoso de
onde é possível observar o Vale do Rhône e foram plantadas parreiras para a
produção de vinho ao seu redor.
A
vinicultura foi introduzida na região pelos romanos, que fundaram Orange (a 12
km de Châteauneuf) no final da era pré-cristã. Mas foi com a construção do
castelo papal que o vinho ali produzido se desenvolveu, passando a ser
conhecido como vin du pape (vinho do papa).
Mesmo após o retorno da corte papal para Roma e a
decadência do castelo, a tradição da viticultura continuou forte e enraizada na
região, sendo que os vinhos provenientes de Châteauneuf passaram a ser os mais
célebres e conceituados dentre os vinhos produzidos no vale sul do Rhône. O
curioso é que o nome Châteauneuf du Pape só passou a ser atribuído ao vinho,
tinto ou branco, no século 19, sendo que ambos eram conhecidos até esta época
como vinhos de Avignon.
Graças aos esforços e união dos vinicultores locais
e como forma de se prevenir de fraude e falsificações, foi criada em 1905 uma
comissão com o intuito de fiscalizar os vinhos comercializados com o nome. Em
1923 o barão Pierre Le Roy, que era formado em direito, presidiu a
regulamentação da região que acabou sendo tomada como exemplo e seu modelo copiado pelo país inteiro. Atualmente os
produtores locais são orgulhosos das normas e controles da região, as mais rígidas
do mundo e que deram origem à noção de terroir (conjunto de solo, clima e
vegetação) e foi a base da lei de Appellation d'Origine Contrôlée (AOC) adotada em toda a França em 1935.
Esta AOC
compreende três mil hectares de terreno relativamente planos, sendo o solo e o
clima local muito privilegiados. O solo é profundo o que obriga a videira a
descer para buscar nutrientes, dando riqueza de aromas e sabores ao líquido. O clima mediterâneo,
dominado pelo vento Mistral, que sopra forte e seco, elimina as umidade das
chuvas, previnindo contra insetos de fungos. As amplitudes térmicas entre o dia
e a noite são grandes.
A camada superior
do terreno onde se assenta a maiora dos
vinhedos teria sido no passado o leito
do rio Rhône, sendo portanto formado por seixos, isto é por pedras
arredondadas, relativamente grandes,
denominadas ovos de pata (galets), tipicas da região. Estas pedras aboservem o
calor durante o dia e a noite irradiam para as parreiras aquecendo as vinhas,
provocando assim a boa maturação das uvas.
Para a elaboração dos vinhos são permitidas treze
uvas, sendo as tintas: Grenache, Syrah, Cinsaut, Mourvèdre, Counoise, Picpoul,
Terre Noir, Vaccarèse, Picardan e Muscardin. Já as uvas brancas são:
Bourboulenc, Roussanne, Clairette. São permitidas também as brancas Grenache
Blanc e Picpoul Blanc, perfazendo um total de 15 uvas.
Atualmente a região produz 94% de vinhos tintos e
6% de vinhos brancos, os vinhos rosés são proibidos, a graduação alcoólica deve
ser de 12,5% ou superior e a colheita é feita manualmente. Os vinhos de
Châteauneuf, principalmente os tintos, são capazes de suportar períodos de
guarda de 15 a 20 anos (ou mais).
Embora a região produza grandes vinhos, ela é muito
irregular e é possível encontrar-se vinhos medíocres, que acabam pegando carona
no nome e não valem o que se paga por eles. Os de melhor qualidade são ricos,
encorpados, bem equilibrados e com aromas de especiarias, terra molhada e
frutas vermelhas maduras.
A maior garantia de qualidade dos vinho é nome do
produtor, como o Château de Beaucastel,
Château Rayas, Domaine Guigal, Château Mont-Redon,
entre outros.