Quadro do pintor
alemão Ernst Zeuner retratando a chegada dos primeiros 39 imigrantes alemães a
São Leopoldo-RS. Fonte:
https://cortinadopassado.com.br/2019/07/25/195-anos-da-imigracao-alemao-no-brasil/
No dia 18 de julho de 1824 chegaram a Porto
Alegre-RS os primeiros colonos alemães, vindos do porto de Hamburgo. Por ordem
do Presidente da Província, o Visconde de São Leopoldo, foram encaminhados para
um vilarejo conhecido como Feitoria do Linho-Cânhamo, desativada, à margem
esquerda do Rio dos Sinos.
Nessa viagem, rio acima, desde Porto Alegre, essas
primeiras 9 famílias de imigrantes alemães (38 adultos + 1 bebê que nasceu na
viagem ao Brasil) seguramente se defrontaram com uma paisagem exuberante
totalmente diferente de seu país de origem. Uma
curiosidade, desses 39 imigrante, 6 eram católicos e 33 eram evangélicos
Luteranos, algo até então totalmente desconhecido por aqui.
Do rio, os imigrantes foram levados
em carretas de boi até a Feitoria, na então recém criada Colônia Alemã de São
Leopoldo, no dia 25 de julho de 1824,
um domingo, data da fundação do primeiro
núcleo de colonização alemã no sul do Brasil e que viria a transformar-se em
uma das cidades de origem alemã no Estado, o atual município de São Leopoldo.
Ou seja, esse ano estamos
comemorando 200 anos da chegada dos
primeiros imigrantes alemães ao Sul do país. Essa data é festejada em todos os
quadrantes da região Sul do Brasil, em especial no Rio Grande do Sul e Santa
Catarina, onde a influência dos imigrantes alemães ainda é notada e onde se
encontram seu descendentes, como o Dia
do Colono.
A definição
desta data comemorativa deu-se em 1924, em meio às
comemorações do centenário da chegada da primeira leva de imigrantes alemães à
cidade de São Leopoldo. No dia 5 de setembro de 1968 foi sancionada, pelo então
presidente Artur da Costa e Silva, a Lei nº 5.496, que instituiu oficialmente o
“Dia do Colono”. Apesar de não
ser um feriado nacional, muitos municípios do Sul do país adotaram a data
comemorativa para celebrar as suas origens.
Até a metade do século XIX a região Sul do Brasil
ainda continuava com vários territórios inabitados, o que despertava a cobiça
dos vizinhos castelhanos. Assim, o governo imperial, movido pela fartura de
terras no pais, pelo desejo de povoar a região e garantir a posse do
território, aliado aos frequentes problemas sociais que ocorriam na Europa criou
um projeto colonizador de larga escala e longa duração, trazendo para o país
vários imigrantes alemães.
Esse movimento migratório teve início em 1824, com a
chegada dos primeiros imigrantes e se manteve relativamente constante
até a década de 1960. Entre 1824 e 1972, cerca de 260.000
alemães entraram no Brasil, a quinta nacionalidade que mais imigrou para o
país, após os portugueses, italianos, espanhóis e japoneses.
No Rio Grande do Sul, esses
imigrantes foram assentados principalmente, nos médios e baixos cursos das
bacias hidrográficas dos rios Jacuí, Pardo e Pardinho, Taquari, Caí e Sinos,
todos componentes da Bacia Hidrográfica do Guaíba, conforme apresentado no mapa
que segue.
Em Santa Catarina, os primeiros
colonos alemães chegaram em 1829, ocupando o que é hoje a cidade de São Pedro
de Alcântara. Mas o fluxo de imigrantes cresceu apenas após 1850 e, a atual
cidade de Joinville é fruto de uma fase de ocupação de outra região da
província a partir de 1851, quando a imigração alemã se expandiu para todo o
norte do estado.
O legado dessa imigração alemã, pode ser notada na influência cultural, em diferentes áreas, como na diversificação da agricultura brasileira, na implantação de um “novo modelo agrícola” com base em pequenas propriedades rurais e na agricultura familiar, e que mais tarde também foi adotada pelos imigrantes italianos. Influenciaram também, no processo de urbanização e de industrialização do Brasil, bem como na introdução e modificações na arquitetura das cidades e na paisagem físico-social brasileira.
Os imigrantes alemães trouxeram também o processo de construção de casas em estilo enxaimel - típico alemão - que consiste em vigas de madeira verticais, horizontais e diagonais, que são encaixadas e os espaços entre si preenchidos por pedras ou tijolos, e que ainda hoje pode ser visto em muitas casas das cidades do interior do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Casa
construída no estilo enxaimel, na cidade de Ivoti, RS
https://www.tripadvisor.com.br/LocationPhotoDirectLink-g2572696-d10200608-i246243373-Buraco_do_Diabo-Ivoti_State_of_Rio_Grande_do_Sul.html
Mas há também, uma atividade que se evidenciou nas colônias de
imigrantes alemães no Rio Grande do Sul, que a grande maioria das pessoas desconhecem.
É o interesse pela viticultura de quintal, uma vez que muitos conheciam e apreciavam o vinho e a vitivinicultura praticada em sua terra
natal. Parte deles eram procedentes das regiões do Reno e Mosel (principais
regiões vitivinícolas da Alemanha) e dedicaram-se à produção de videiras. Os
alemães não tomam só chopp ou cerveja, eles tomam muito vinho.
Em função disso em 1825, foi enviado para o Rio Grande do Sul, por Dom
Pedro I, o técnico italiano João Batista Orsi, com a finalidade de incentivar a
cultura da videira e em sua bagagem ele trouxe uma boa quantidade de bacelos. Paralelamente,
os alemães também aproveitaram as cepas lusitanas que já estavam presentes
pelas redondezas, trazidas pelos açorianos e as propagaram pelos seus lotes
coloniais. Foi na Linha São Jacob, no município de São Sebastião do Caí que
Orsi aportou e dedicou seu tempo incentivando a viticultura na região de
colonização alemã.
Dal Pizzol e Sousa, mencionam em sua trilogia “Memórias do Vinho Gaúcho-Vol.1” (2014), que em 1839, a viticultura baseada na casta americana Isabel enfrentava bem as condições climáticas e de solo locais, oferecendo copiosas colheitas nas pérgolas dos quintais. Foi a partir de Porto Alegre que a uva Isabel seguiu rumo aos afluentes do Guaíba (mostrado na mapa) e, levada principalmente pelos imigrantes alemães, alastrou-se numa escalada pelos povoamentos dos vales dos rios dos Sinos, Taquari e Caí.
Com a fundação da Colônia de Feliz
(atual munícipio de Feliz), em 1845, iniciou-se a produção de vinho não apenas para o consumo próprio mas também
para o mercado, uma vez que as características do solo da
região e a maior altitude (120m) se prestavam especialmente para o cultivo da
uva. Esse vinho era vendido, inicialmente, nas redondezas para comerciantes e
particulares e, claro consumido nos Kerbs (festa com baile, exclusiva da
comunidade alemã), casamentos e outras comemorações familiares (Werle, 2021).
A viticultura dos imigrantes alemães não prosperou como se desejava, ficando limitada a produzir vinhos para consumo próprio. Desde o início da colonização alemã até o ano de 1875, quando chegaram os primeiros imigrantes italianos ao Rio Grande do Sul, a uva foi cultivada na região dos municípios de São Leopoldo e, depois levada até Montenegro, São Sebastião do Caí, Bom Princípio, Feliz e outros povoados.
Não podemos esquecer que essa região onde foram instaladas as colônias alemãs, ao longo dos rios (que eram as estradas da época), devido a sua alta umidade, alta precipitação e também facilidade de ocorrência de inundações, não eram as ideais para a viticultura. Sabe-se que a videira não prospera de forma adequada em lugares com altos índices de umidade, em especial a Vitis Vinífera, por essa razão os vinhos da época, eram essencialmente feitos com uvas Vitis Labrusca, como a variedade Isabel, mais resistentes as características climáticas da região. Com o tempo e o progresso da vitivinicultura no país, os produtores foram aprendendo a enfrentar e a driblar as adversidades do clima da região e com isso a Vitis Vinifera prosperou.
Dal Pizzol e Sousa (2014), mencionam que no início
da colonização italiana na Serra Gaúcha, quando os imigrantes subiam para essa
região, em Feliz havia um ponto de parada onde eles se supriam de suas
necessidades básicas. Essa era uma das rotas principais utilizada por eles de
subida para a Serra.
Estes, ao colonizarem essa região, desempenharam papel fundamental no surgimento da vitivinicultura brasileira, quando conseguiram suas primeiras mudas de Isabel. Os imigrantes alemães do Vale do Cai fizeram a transferência de mudas de videiras para os imigrantes italianos da Serra, que deram origem a seus pequenos vinhedos nos terrenos limpos de cultura ou em novas áreas desmatadas marcando, assim, o momento histórico do nascedouro da vitivinicultura da Serra Gaúcha (Dal Pizzol e Sousa, 2014).
Durante 50 anos os
imigrantes alemães foram os pioneiros na produção de vinho na região sul do
Brasil. Entre 1824 e 1875, eles detinham o monopólio da produção. Porém os
alemães não tinham pendor para as lides de vinhateiros. Seus interesses estavam
mais voltados para a pequena manufatura doméstica e a industrialização de
produtos bovinos e suínos, na qual se destacaram. Mas, com a chegada dos colonos italianos houve uma maior difusão da vitivinicultura e, o intercâmbio de mudas e de
conhecimentos entre ambas as culturas, favoreceram a implantação da
vitivinicultura na Serra Gaúcha.
Veja no mapa que segue a distribuição
dos imigrantes alemães e italianos no Rio Grande do Sul em 1924.
https://i.pinimg.com/originals/64/97/d0/6497d0c524dee941863f55e5e44c62ed.jpg
https://www.vinicolacampestre.com.br/blog/voce-conhece-a-historia-do-vinho-durante-a-colonizacao/#
Alemães e vinho: eles estão entre os pioneiros na
produção da bebida no RS https://ilovevinhos.com.br/alemaes-e-vinho-eles-entre-os-pioneiros-na-producao-da-bebida-no-rs/
Os
primeiros imigrantes alemães no Rio Grande do Sul
https://familia.dienstmann.com.br/primeira-leva-imigrantes-alemaes/
https://cortinadopassado.com.br/2019/07/25/195-anos-da-imigracao-alemao-no-brasil/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Imigração_alemã_no_Brasil
BARROS, H.T.de; De Frankenthal
ao Badensertol: uma viagem pelos nomes alemães dos vales do Caí e
seus afluentes, Rio Grande do Sul; Onomástica desde América Latina,
v.4, jan - dez, 2023, p. 1 – 31. ISSN 2675-2719;
https://e-revista.unioeste.br/index.php/onomastica/issue/view/13924
PIZZOL, R.D.; SOUSA, S.I.de; Memórias do Vinho Gaúcho, Vol. 1, 1.ed, Porto Alegre; RS; AGE, 2014. 1.vol.; 280 p.;