terça-feira, 23 de julho de 2024

A IMIGRAÇÃO ALEMÃ, O VINHO E O DIA DO COLONO NO SUL DO BRASIL

 

Quadro do pintor alemão Ernst Zeuner retratando a chegada dos primeiros 39 imigrantes alemães a São Leopoldo-RS. Fonte: https://cortinadopassado.com.br/2019/07/25/195-anos-da-imigracao-alemao-no-brasil/

No dia 18 de julho de 1824 chegaram a Porto Alegre-RS os primeiros colonos alemães, vindos do porto de Hamburgo. Por ordem do Presidente da Província, o Visconde de São Leopoldo, foram encaminhados para um vilarejo conhecido como Feitoria do Linho-Cânhamo, desativada, à margem esquerda do Rio dos Sinos.

Nessa viagem, rio acima, desde Porto Alegre, essas primeiras 9 famílias de imigrantes alemães (38 adultos + 1 bebê que nasceu na viagem ao Brasil) seguramente se defrontaram com uma paisagem exuberante totalmente diferente de seu país de origem. Uma curiosidade, desses 39 imigrante, 6 eram católicos e 33 eram evangélicos Luteranos, algo até então totalmente desconhecido por aqui.

Do rio, os imigrantes foram levados em carretas de boi até a Feitoria, na então recém criada Colônia Alemã de São Leopoldo, no dia 25 de julho de 1824, um domingo, data da fundação do primeiro núcleo de colonização alemã no sul do Brasil e que viria a transformar-se em uma das cidades de origem alemã no Estado, o atual município de São Leopoldo.

Ou seja, esse ano estamos comemorando 200 anos da chegada dos primeiros imigrantes alemães ao Sul do país. Essa data é festejada em todos os quadrantes da região Sul do Brasil, em especial no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, onde a influência dos imigrantes alemães ainda é notada e onde se encontram seu descendentes, como o Dia do Colono.

 A definição desta data comemorativa deu-se em 1924, em meio às comemorações do centenário da chegada da primeira leva de imigrantes alemães à cidade de São Leopoldo. No dia 5 de setembro de 1968 foi sancionada, pelo então presidente Artur da Costa e Silva, a Lei nº 5.496, que instituiu oficialmente o “Dia do Colono”. Apesar de não ser um feriado nacional, muitos municípios do Sul do país adotaram a data comemorativa para celebrar as suas origens.

Até a metade do século XIX a região Sul do Brasil ainda continuava com vários territórios inabitados, o que despertava a cobiça dos vizinhos castelhanos. Assim, o governo imperial, movido pela fartura de terras no pais, pelo desejo de povoar a região e garantir a posse do território, aliado aos frequentes problemas sociais que ocorriam na Europa criou um projeto colonizador de larga escala e longa duração, trazendo para o país vários imigrantes alemães.

Esse movimento migratório teve início em 1824, com a chegada dos primeiros imigrantes e se manteve relativamente constante até a década de 1960.  Entre 1824 e 1972, cerca de 260.000 alemães entraram no Brasil, a quinta nacionalidade que mais imigrou para o país, após os portugueses, italianos, espanhóis e japoneses. 

No Rio Grande do Sul, esses imigrantes foram assentados principalmente, nos médios e baixos cursos das bacias hidrográficas dos rios Jacuí, Pardo e Pardinho, Taquari, Caí e Sinos, todos componentes da Bacia Hidrográfica do Guaíba, conforme apresentado no mapa que segue.  


Em Santa Catarina, os primeiros colonos alemães chegaram em 1829, ocupando o que é hoje a cidade de São Pedro de Alcântara. Mas o fluxo de imigrantes cresceu apenas após 1850 e, a atual cidade de Joinville é fruto de uma fase de ocupação de outra região da província a partir de 1851, quando a imigração alemã se expandiu para todo o norte do estado.

O legado dessa imigração alemã, pode ser notada na influência cultural, em diferentes áreas, como na diversificação da agricultura brasileira, na implantação de um “novo modelo agrícola” com base em pequenas propriedades rurais e na agricultura familiar, e que mais tarde também foi adotada pelos imigrantes italianos. Influenciaram também, no processo de urbanização e de industrialização do Brasil, bem como na introdução e modificações na arquitetura das cidades e na paisagem físico-social brasileira.

Os imigrantes alemães trouxeram também o processo de construção de casas em estilo enxaimel - típico alemão - que consiste em vigas de madeira verticais, horizontais e diagonais, que são encaixadas e os espaços entre si preenchidos por pedras ou tijolos, e que ainda hoje pode ser visto em muitas casas das cidades do interior do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. 

Casa construída no estilo enxaimel, na cidade de Ivoti, RS

https://www.tripadvisor.com.br/LocationPhotoDirectLink-g2572696-d10200608-i246243373-Buraco_do_Diabo-Ivoti_State_of_Rio_Grande_do_Sul.html

Mas há também, uma atividade que se evidenciou nas colônias de imigrantes alemães no Rio Grande do Sul, que a grande maioria das pessoas desconhecem. É o interesse pela viticultura de quintal, uma vez que muitos conheciam e apreciavam o vinho e a vitivinicultura praticada em sua terra natal. Parte deles eram procedentes das regiões do Reno e Mosel (principais regiões vitivinícolas da Alemanha) e dedicaram-se à produção de videiras. Os alemães não tomam só chopp ou cerveja, eles tomam muito vinho.

Em função disso em 1825, foi enviado para o Rio Grande do Sul, por Dom Pedro I, o técnico italiano João Batista Orsi, com a finalidade de incentivar a cultura da videira e em sua bagagem ele trouxe uma boa quantidade de bacelos. Paralelamente, os alemães também aproveitaram as cepas lusitanas que já estavam presentes pelas redondezas, trazidas pelos açorianos e as propagaram pelos seus lotes coloniais. Foi na Linha São Jacob, no município de São Sebastião do Caí que Orsi aportou e dedicou seu tempo incentivando a viticultura na região de colonização alemã.

Dal Pizzol e Sousa, mencionam em sua trilogia “Memórias do Vinho Gaúcho-Vol.1” (2014), que em 1839, a viticultura baseada na casta americana Isabel enfrentava bem as condições climáticas e de solo locais, oferecendo copiosas colheitas nas pérgolas dos quintais. Foi a partir de Porto Alegre que a uva Isabel seguiu rumo aos afluentes do Guaíba (mostrado na mapa) e, levada principalmente pelos imigrantes alemães, alastrou-se numa escalada pelos povoamentos dos vales dos rios dos Sinos, Taquari e Caí.

Com a fundação da Colônia de Feliz (atual munícipio de Feliz), em 1845, iniciou-se a produção de vinho não apenas para o consumo próprio mas também para o mercado, uma vez que as características do solo da região e a maior altitude (120m) se prestavam especialmente para o cultivo da uva. Esse vinho era vendido, inicialmente, nas redondezas para comerciantes e particulares e, claro consumido nos Kerbs (festa com baile, exclusiva da comunidade alemã), casamentos e outras comemorações familiares (Werle, 2021).

A viticultura dos imigrantes alemães não prosperou como se desejava, ficando limitada a produzir vinhos para consumo próprio. Desde o início da colonização alemã até o ano de 1875, quando chegaram os primeiros imigrantes italianos ao Rio Grande do Sul, a uva foi cultivada na região dos municípios de São Leopoldo e, depois levada até Montenegro, São Sebastião do Caí, Bom Princípio, Feliz e outros povoados.

Não podemos esquecer que essa região onde foram instaladas as colônias alemãs, ao longo dos rios (que eram as estradas da época), devido a sua alta umidade, alta precipitação e também facilidade de ocorrência de inundações, não eram as ideais para a viticultura. Sabe-se que a videira não prospera de forma adequada em lugares com altos índices de umidade, em especial a Vitis Vinífera, por essa razão os vinhos da época, eram essencialmente feitos com uvas Vitis Labrusca, como a variedade Isabel, mais resistentes as características climáticas da região.  Com o tempo e o progresso da vitivinicultura no país, os produtores foram aprendendo a enfrentar e a driblar as adversidades do clima da região e com isso a Vitis Vinifera prosperou. 

Dal Pizzol e Sousa (2014), mencionam que no início da colonização italiana na Serra Gaúcha, quando os imigrantes subiam para essa região, em Feliz havia um ponto de parada onde eles se supriam de suas necessidades básicas. Essa era uma das rotas principais utilizada por eles de subida para a Serra. 

Estes, ao colonizarem essa região, desempenharam papel fundamental no surgimento da vitivinicultura brasileira, quando conseguiram suas primeiras mudas de Isabel. Os imigrantes alemães do Vale do Cai fizeram a transferência de mudas de videiras para os imigrantes italianos da Serra, que deram origem a seus pequenos vinhedos nos terrenos limpos de cultura ou em novas áreas desmatadas marcando, assim, o momento histórico do nascedouro da vitivinicultura da Serra Gaúcha (Dal Pizzol e Sousa, 2014).

Durante 50 anos os imigrantes alemães foram os pioneiros na produção de vinho na região sul do Brasil. Entre 1824 e 1875, eles detinham o monopólio da produção. Porém os alemães não tinham pendor para as lides de vinhateiros. Seus interesses estavam mais voltados para a pequena manufatura doméstica e a industrialização de produtos bovinos e suínos, na qual se destacaram.  Mas, com a chegada dos colonos italianos houve uma maior difusão da vitivinicultura e, o intercâmbio de mudas e de conhecimentos entre ambas as culturas, favoreceram a implantação da vitivinicultura na Serra Gaúcha.

Veja no mapa que segue a distribuição dos imigrantes alemães e italianos no Rio Grande do Sul em 1924.

 



Infelizmente não consegui encontrar nenhuma foto referente aos vinhedos ou de qualquer atividade vitivinícola praticada pelos alemães.


Se beber, não dirija!

Fontes:

https://www.correiodopovo.com.br/especial/imigraçaõ-alemã-colonização-se-da-em-diferentes-municípios-do-rio-grande-do-sul-1.1469027

https://i.pinimg.com/originals/64/97/d0/6497d0c524dee941863f55e5e44c62ed.jpg

https://www.vinicolacampestre.com.br/blog/voce-conhece-a-historia-do-vinho-durante-a-colonizacao/#

Alemães e vinho: eles estão entre os pioneiros na produção da bebida no RS https://ilovevinhos.com.br/alemaes-e-vinho-eles-entre-os-pioneiros-na-producao-da-bebida-no-rs/

Os primeiros imigrantes alemães no Rio Grande do Sul

https://familia.dienstmann.com.br/primeira-leva-imigrantes-alemaes/

 

https://cortinadopassado.com.br/2019/07/25/195-anos-da-imigracao-alemao-no-brasil/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Imigração_alemã_no_Brasil

BARROS, H.T.de; De Frankenthal ao Badensertol: uma viagem pelos nomes alemães dos vales do Caí e seus afluentes, Rio Grande do Sul; Onomástica desde América Latina, v.4, jan - dez, 2023, p. 1 – 31. ISSN 2675-2719;

https://e-revista.unioeste.br/index.php/onomastica/issue/view/13924

PIZZOL, R.D.; SOUSA, S.I.de; Memórias do Vinho Gaúcho, Vol. 1, 1.ed, Porto Alegre; RS; AGE, 2014. 1.vol.; 280 p.; 


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