terça-feira, 8 de outubro de 2024

OS INCÊNDIOS FLORESTAIS, AS QUEIMADAS E A VITIVINICULTURA

 

No último mês de setembro vimos, na maioria dos noticiários, o Brasil literalmente ardendo em chamas em todas as latitudes devido as queimadas e incêndios florestais que em vários estados atingiram proporções quase que apocalípticas. Infelizmente esse fenômeno não ocorreu apenas no nosso país, mas em vários outros países vizinhos da América do Sul que, devido à proximidade territorial e a ação dos ventos, acabaram contribuindo para que as densas nuvens de fumaças atingissem o Brasil praticamente de Norte a Sul.

No mapa que segue a região praticamente sem ocorrência de queimadas é a região Sul do Brasil onde estão concentradas a grande maioria das áreas vitivinícolas do país.

Os incêndios florestais e as queimadas pioram a qualidade do ar e a poluição causada por eles pode atingir o nível de risco máximo para a saúde humana nas regiões onde a fumaça chega.

O Índice de Qualidade do Ar (Air Quality Index-AQI) foi considerado insalubre ou perigoso, no mês de setembro, em várias cidades brasileiras. Esse índice é um número utilizado para transmitir a qualidade do ar pelos governos ao público em geral, a qualidade do ar se deteriora à medida que aumenta a concentração de poluentes.

Esse índice se baseia nos níveis de cinco poluentes regulamentados pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA, em conformidade com a Lei do Ar Puro (“Clean Air Act”), que são ozônio, material particulado, monóxido de carbono, dióxido de enxofre e dióxido de nitrogênio, todos prejudiciais a saúde e ao meio ambiente. A qualidade do ar é classificada em cinco faixas de valores conforme tabela que segue.



De modo geral, os incêndios florestais e as queimadas geram a destruição do meio ambiente, dos biomas, empobrecem os solos e afetam a vida das espécies vegetais e animais. As áreas afetadas por eles, emitem gases poluentes e fumaça, que contribuem para o efeito estufa e que causam mal à saúde do ser humano e de animais, quando inalados imediatamente.

A esta altura do texto, o leitor deve estar se perguntando qual a relação de tudo isso com o vinho nosso de cada dia? Muita. Creio que vocês lembram de eventos de incêndios florestais que ocorreram na Califórnia e Austrália em 2019/2020, onde a fumaça gerada por eles chegou as regiões vitivinícolas e os vinhos da safra daquele ano apresentaram odor de queimado, o que é um defeito significativo.

Os incêndios florestais de 2020 que assolaram a Califórnia e o Oregon custaram à indústria vinícola americana cerca de 3,7 mil milhões de dólares em perdas. A fumaça chegou aos vinhedos justamente quando as uvas estavam em seu estágio de crescimento e, de acordo com os vititinicultores, elas cheiravam a bacon e plástico e realmente não valia a pena fazer vinho com elas.  Nesse mesmo ano, os incêndios florestais resultaram na perda de cerca de 4% das uvas para vinho, na Austrália, devido ao odor de fumaça.

Esse odor é decorrente do fato de os vinhedos estarem expostos a fumaça dos incêndios florestais ou queimadas, sendo um defeito na bebida que pode ocorrer quando as bagas em maturação absorvem fenóis voláteis. O odor de fumaça ocorre porque os compostos voláteis presentes na fumaça chega aos vinhedos e permanece por períodos prolongados de tempo, sendo absorvidos pelas uvas. Pode alterar muito a composição e as propriedades sensoriais do vinho, levando a aromas e sabores desagradáveis ​​de fumaça, de medicamentos e borracha queimada - e um sabor seco e acinzentado.

Os incêndios florestais, além de darem ao vinho aromas de fumaça, eles contribuem para o aumento do efeito estufa, que afeta consideravelmente a vitivinicultura. A fumaça pode viajar vários quilômetros, com os incêndios ocorrendo em uma região, mas a poluição que eles causam na atmosfera pode ser percebida a milhares de quilômetros de distância do seu ponto de origem, levada pelas correntes de ar.

 

Assim, seus efeitos podem ser percebidos nos vinhedos mesmo que eles não tenham nenhuma proximidade com as áreas queimadas, mesmo que estejam a milhares de quilômetros de distância do ponto de origem dos incêndios.

Nas imagens que seguem, é possível ver que uma grande área da América do Sul foi tomada pela fumaça no dia 9 de setembro de 2024, com os índices de qualidade do ar estando entre ruim a péssima. A origem dos incêndios está no Peru e no Sul da Amazônia, próximo a linha do Equador, mais ou menos a 1° de Latitude Sul, mas devido às correntes de vento Norte-Sul que formam um corredor de vento no continente, essa fumaça consegue chegar até o Rio Grande do Sul e ao Uruguai (31°S), percorrendo, em linha reta, mais ou menos 4.000 km de distância entre o ponto de origem dos incêndios e a região vitivinícola da Campanha Gaúcha.


Na figura que segue é possível ver toda área do território nacional atingida pela fumaça dos incêndios florestais e queimadas que ocorreram no dia 09 de setembro de 2024. Nela se pode observar que os focos de incêndios estão distribuídos pelas regiões Norte, Centro-Oeste e parte do Sudeste.  Porém, na região Sul - onde o costume das queimadas é pouco difundido - e, em parte da região Sudeste, estão localizados vários municípios vitivinícolas, que foram fortemente atingidos pela fumaça das queimadas com origem nas outras regiões do país.


Quando as vinhas e as uvas são expostas a fumaça, isso pode resultar em vinhos com características sensoriais indesejáveis como odor enfumaçado, queimado, bacon, odor a cinza ou medicinal, geralmente descritos como “contaminados pelo fumo”. Os compostos da fumaça principais responsáveis ​​pelo odor, são os fenóis voláteis livres produzidos quando a madeira é queimada. Estes podem ser absorvidos diretamente pelas uvas e podem ligar-se aos açúcares  para formar glicosídeos que não possuem aroma de fumaça.

É natural que os consumidores respondam negativamente aos vinhos contaminados pela fumaça, pois ela mascara e se sobrepõe aos aromas naturais da uva com a qual o vinho foi elaborado. O odor de fumaça nas uvas irá depender do estágio de  crescimento, de desenvolvimento e da variedade da videira exposta, da concentração e composição da fumaça, da concentração de fenol volátil e da duração da exposição a fumaça.

A figuras mostradas até o momento referem-se a eventos de incêndios florestais e queimadas ocorridas no Brasil no mês de setembro. Vale lembrar que o mês de setembro é quando se inicia o período de brotação, na região Sul e de florescimento nas outras regiões do país onde é realizado o cultivo em dupla poda.

Inicialmente  acreditava-se que a exposição a fumaça, no início do período vegetativo da videira, representava um risco menor do que a exposição perto da colheita. No entanto, os dados dos eventos de incêndios na Austrália em 2019/20 mostraram que existe um risco significativo de caracteres da fumaça perceptíveis no vinho, mesmo quando a exposição a ela ocorre antes do pintor.

Há uma série de medidas que podem ser tomadas no vinhedo e na adega para minimizar os impactos sensoriais da exposição a fumaça, tais como,  colheita manual, exclusão de folhas, manutenção de frutas frescas, separação de frações de prensagem, limitar a duração do tempo de contato com a pele, colagem e tratamento de osmose reversa, moderando a extração dos compostos não desejáveis e melhorando a percepção sensorial final. 

Uma outra medida adotada pelas vinícolas no vinhedo é o uso de sacos de carvão ativado (AC) como cobertura protetora, para evitar a absorção da fumaça pelas uvas. Professores da Escola de Agricultura, Alimentos e Vinho da Universidade de Adelaide da Austrália, realizaram um estudo onde constataram que o uso de sacos de tecido com carvão ativado impediu que mais de 95% dos compostos aromáticos responsáveis pelos sabores desagradáveis de fumaça e cinza associados ao odor de fumaça, penetrassem nas uvas durante a exposição a ela. 

Os pesquisadores chegaram as seguintes conclusões nesse estudo:  

  • Os tecidos AC estudados eram propensos a rasgar e precisavam ser manuseados com cuidado para evitar danos;
  • O custo de mão-de-obra da aplicação de sacos de tecido AC em cachos de uva individuais em escala comercial é proibitivamente caro e provavelmente viável apenas para uvas ultra-premium neste estágio;
  • Os resultados demonstram uma prova de conceito e agora eles esperam desenvolver uma aplicação mais funcional e econômica para uso em vinhedos comerciais;
  • Uma opção plausível poderia ser uma rede baseada em AC mais durável que pudesse ser aplicada na zona dos frutos da videira. Isto seria muito mais econômico e ofereceria dupla proteção contra as aves.

 Fontes:

https://www.awri.com.au/wp-content/uploads/2012/04/smoke-taint-entry-into-grapes-and-vineyard-risk-factors.pdf

https://www.awri.com.au/industry_support/winemaking_resources/smoke-taint/#:~:text=Whenvineyardsandgrapesare,negativelytosmoketaintedwines.

https://www.absrs.com.br/post/incendios-florestais-danos-aos-vinhedos-podem-ser-revertidos-nos-vinhos?utm_campaign=4e3fc1ad-6eeb-467a-8ce4-7f987f010344&utm_source=so&utm_medium=mail&cid=e22f9cfa-8de3-49eb-bd64-

https://www.fastcompany.com/91039579/it-smelled-like-burnt-plastic-how-wildfires-are-running-billions-of-dollars-of-wine-and-the-creative-ways-vineyards-are-fighting-back

https://www.adelaide.edu.au/newsroom/news/list/2022/03/08/when-smoke-gets-in-your-vines

https://www.adelaide.edu.au/newsroom/news/list/2022/03/08/when-smoke-gets-in-your-vines

https://www.absrs.com.br/post/incendios-florestais-danos-aos-vinhedos-podem-ser-revertidos-nos-vinhos?utm_campaign=4e3fc1ad-6eeb-467a-8ce4-7f987f010344&utm_source=so&utm_medium=mail&cid=e22f9cfa-8de3-49eb-bd64-ef13e2ad449a

 









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