No último mês de setembro vimos,
na maioria dos noticiários, o Brasil literalmente ardendo em chamas em todas as
latitudes devido as queimadas e incêndios florestais que em vários estados
atingiram proporções quase que apocalípticas. Infelizmente esse fenômeno não
ocorreu apenas no nosso país, mas em vários outros países vizinhos da América
do Sul que, devido à proximidade territorial e a ação dos ventos, acabaram
contribuindo para que as densas nuvens de fumaças atingissem o Brasil
praticamente de Norte a Sul.
No mapa que segue a região praticamente
sem ocorrência de queimadas é a região Sul do Brasil onde estão concentradas a
grande maioria das áreas vitivinícolas do país.
O Índice de Qualidade do Ar (Air Quality
Index-AQI) foi considerado insalubre ou perigoso, no mês de setembro, em várias
cidades brasileiras. Esse índice é um número utilizado
para transmitir a qualidade do ar pelos governos ao público em geral, a
qualidade do ar se deteriora à medida que aumenta a concentração de poluentes.
Esse índice se baseia nos níveis de
cinco poluentes regulamentados pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA, em
conformidade com a Lei do Ar Puro (“Clean Air Act”), que são ozônio, material
particulado, monóxido de carbono, dióxido de enxofre e dióxido de nitrogênio,
todos prejudiciais a saúde e ao meio ambiente. A qualidade do ar é classificada em cinco faixas de valores
conforme tabela que segue.
De modo geral, os incêndios florestais e as queimadas geram a destruição do meio ambiente, dos biomas, empobrecem os solos e afetam a vida das espécies vegetais e animais. As áreas afetadas por eles, emitem gases poluentes e fumaça, que contribuem para o efeito estufa e que causam mal à saúde do ser humano e de animais, quando inalados imediatamente.
A esta altura do
texto, o leitor deve estar se perguntando qual a relação de tudo isso com o
vinho nosso de cada dia? Muita. Creio que vocês lembram de eventos de incêndios
florestais que ocorreram na Califórnia e Austrália em 2019/2020, onde a fumaça gerada
por eles chegou as regiões vitivinícolas e os vinhos da safra daquele ano
apresentaram odor de queimado, o que é um defeito significativo.
Os incêndios florestais de 2020 que assolaram a Califórnia e o Oregon
custaram à indústria vinícola americana cerca de 3,7 mil milhões de dólares em
perdas. A fumaça chegou aos vinhedos justamente quando as uvas estavam em seu estágio
de crescimento e, de acordo com os vititinicultores, elas cheiravam a bacon e
plástico e realmente não valia a pena fazer vinho com elas. Nesse mesmo ano, os incêndios florestais resultaram na perda de cerca de 4% das uvas para
vinho, na Austrália, devido ao odor de fumaça.
Esse odor é decorrente do fato de os vinhedos estarem expostos a fumaça dos incêndios florestais ou queimadas, sendo um defeito na bebida que pode ocorrer quando as bagas em maturação absorvem fenóis voláteis. O odor de fumaça ocorre porque os compostos voláteis presentes na fumaça chega aos vinhedos e permanece por períodos prolongados de tempo, sendo absorvidos pelas uvas. Pode alterar muito a composição e as propriedades sensoriais do vinho, levando a aromas e sabores desagradáveis de fumaça, de medicamentos e borracha queimada - e um sabor seco e acinzentado.
Os incêndios
florestais, além de darem ao vinho aromas de fumaça, eles
contribuem para o aumento do efeito estufa, que afeta consideravelmente a
vitivinicultura. A fumaça pode viajar vários quilômetros, com os incêndios
ocorrendo em uma região, mas a poluição que eles causam na atmosfera pode ser
percebida a milhares de quilômetros de distância do seu ponto de origem, levada pelas correntes de ar.
Assim, seus
efeitos podem ser percebidos nos vinhedos mesmo que eles não tenham nenhuma proximidade
com as áreas queimadas, mesmo que estejam a milhares de quilômetros de
distância do ponto de origem dos incêndios.
Nas imagens que seguem, é possível ver que uma grande área da
América do Sul foi tomada pela fumaça no dia 9 de setembro de 2024, com os
índices de qualidade do ar estando entre ruim a péssima. A origem dos incêndios
está no Peru e no Sul da Amazônia, próximo a linha do Equador, mais ou menos a
1° de Latitude Sul, mas devido às correntes de vento Norte-Sul que formam um
corredor de vento no continente, essa fumaça consegue chegar até o Rio Grande
do Sul e ao Uruguai (31°S), percorrendo, em linha reta, mais ou menos 4.000 km
de distância entre o ponto de origem dos incêndios e a região vitivinícola da
Campanha Gaúcha.
Na figura que segue é possível ver toda área do território nacional atingida pela fumaça dos incêndios florestais e queimadas que ocorreram no dia 09 de setembro de 2024. Nela se pode observar que os focos de incêndios estão distribuídos pelas regiões Norte, Centro-Oeste e parte do Sudeste. Porém, na região Sul - onde o costume das queimadas é pouco difundido - e, em parte da região Sudeste, estão localizados vários municípios vitivinícolas, que foram fortemente atingidos pela fumaça das queimadas com origem nas outras regiões do país.
Quando as vinhas e as uvas são expostas a fumaça, isso pode resultar em vinhos com características sensoriais indesejáveis como odor enfumaçado, queimado, bacon, odor a cinza ou medicinal, geralmente descritos como “contaminados pelo fumo”. Os compostos da fumaça principais responsáveis pelo odor, são os fenóis voláteis livres produzidos quando a madeira é queimada. Estes podem ser absorvidos diretamente pelas uvas e podem ligar-se aos açúcares para formar glicosídeos que não possuem aroma de fumaça.
É natural que os consumidores respondam
negativamente aos vinhos contaminados pela fumaça, pois ela mascara e se
sobrepõe aos aromas naturais da uva com a qual o vinho foi elaborado. O odor de
fumaça nas uvas irá depender do estágio de crescimento, de desenvolvimento e da variedade
da videira exposta, da concentração e composição da fumaça, da concentração de
fenol volátil e da duração da exposição a fumaça.
A figuras mostradas até o momento referem-se
a eventos de incêndios florestais e queimadas ocorridas no Brasil no mês de
setembro. Vale
lembrar que o mês de setembro é quando se inicia o período de brotação, na
região Sul e de florescimento nas outras regiões do país onde é realizado o
cultivo em dupla poda.
Inicialmente acreditava-se que a exposição a fumaça, no
início do período vegetativo da videira, representava um risco menor do que a
exposição perto da colheita. No entanto, os dados dos eventos de incêndios na
Austrália em 2019/20 mostraram que existe um risco significativo de caracteres
da fumaça perceptíveis no vinho, mesmo quando a exposição a ela ocorre antes do
pintor.
Há uma série de medidas que podem ser tomadas
no vinhedo e na adega para minimizar os impactos sensoriais da exposição a
fumaça, tais como, colheita manual,
exclusão de folhas, manutenção de frutas frescas, separação de frações de
prensagem, limitar
a duração do tempo de contato com a pele, colagem e tratamento de osmose reversa, moderando a extração dos compostos
não desejáveis e melhorando a percepção sensorial final.
Uma outra medida adotada pelas vinícolas no
vinhedo é o uso
de sacos de carvão ativado (AC) como cobertura protetora, para evitar a absorção
da fumaça pelas uvas. Professores da Escola de Agricultura, Alimentos e Vinho
da Universidade de Adelaide da Austrália, realizaram um estudo onde constataram
que o uso de sacos de tecido com carvão ativado impediu que mais de 95% dos
compostos aromáticos responsáveis pelos sabores desagradáveis de fumaça e cinza
associados ao odor de fumaça, penetrassem nas uvas durante a exposição a ela.
- Os tecidos AC estudados eram propensos a rasgar e precisavam ser manuseados com cuidado para evitar danos;
- O custo de mão-de-obra da aplicação de sacos de tecido AC em cachos de uva individuais em escala comercial é proibitivamente caro e provavelmente viável apenas para uvas ultra-premium neste estágio;
- Os resultados demonstram uma prova de conceito e agora eles esperam desenvolver uma aplicação mais funcional e econômica para uso em vinhedos comerciais;
- Uma opção plausível poderia ser uma rede baseada em AC mais durável que pudesse ser aplicada na zona dos frutos da videira. Isto seria muito mais econômico e ofereceria dupla proteção contra as aves.
https://www.adelaide.edu.au/newsroom/news/list/2022/03/08/when-smoke-gets-in-your-vines
https://www.adelaide.edu.au/newsroom/news/list/2022/03/08/when-smoke-gets-in-your-vines