sexta-feira, 22 de novembro de 2024

GEOGRAFIA DO VINHO - IRLANDA, UM PAÍS TRADICIONALMENTE CONHECIDO POR SUA CERVEJA E WISKEY, AGORA TAMBÉM PRODUZ VINHOS.

Desde que iniciei a publicação deste blog já abordei vários artigos que tratam da Geografia do Vinho em diferentes cantos do mundo, entre eles as regiões vitivinícolas brasileiras, o vale do Mosel na Alemanha, os vinhos da Croácia, da África do Sul, da Eslovênia, da Espanha, da Áustria, do Uruguai, das Ilhas Canárias. Em todos eles, eu procurei mostrar como as características de uma região influenciam de forma marcante o tipo e o perfil dos vinhos nelas produzidos.

Nestes artigos, cada vez mais eu procuro abordar regiões vitivinícolas que não estejam inseridas na tradicional rota do vinho como Europa, Américas e África do Sul. Com a melhoria das técnicas de vitivinicultura e o avanço das mudanças climáticas nas regiões mais tradicionais do vinho,  mais países que apenas consumiam vinho agora estão também se dedicando ao cultivo da Vitis Vinífera e produzindo vinhos de boa qualidade.

O exemplo mais emblemático dessa mudança, são as uvas cultivadas e os vinhos produzidos no Sul da Inglaterra. Em 1993-1994, no período em que passei na Inglaterra para um Post-doctoral Training Research Program na Universidade de Leicester, tomei vinhos de vários lugares do mundo, mas nenhum deles da Inglaterra.  Hoje em dia empresas francesas tem vinhedos no Sul do país para produzir espumante, como a vinícola francesa Pommery que firmou parceria com a casa britânica Hattingley e, teve seu primeiro vinho à venda em 2019.

No artigo de hoje irei abordar os vinhos e as vinícolas da Irlanda, que é muito mais conhecida pelas celebrações do Hallowen, pela cerveja e pelo whiskey do que pela produção de vinhos.

A República da Irlanda é um país independente da Europa do Norte, localizado entre as latitudes de 51°N e 55°N. Trata-se da maior nação pertencente à ilha da Irlanda, uma das ilhas Britânicas banhadas pelo Atlântico Norte. Não possui fronteiras físicas com a Europa Continental, sendo que sua única fronteira terrestre é a estabelecida com a Irlanda do Norte, que pertence ao reino Unido.  É banhada pelo Atlântico Norte e se separa da Grã-Bretanha pelo mar da Irlanda.

Tem uma extensão territorial de 69.797 km², um pouco maior que o estado de Santa Catarina. No país vivem ao redor de 4.938.000 habitantes, sendo que sua maior cidade e capital é Dublin, que concentra 1,2 milhão de pessoas.

 A Irlanda é muito mais conhecida por suas belezas naturais do que pela produção de vinhos. É comum ver-se em filmes, cuja história se passa nesse país, a natureza como um cartão-postal onde suas falésias servem de cenário para encontros e desencontros de apaixonados. Ceio que a maioria de nós quando vê uma paisagem como a que segue, imediatamente lembra das falésias irlandesas, açoitadas pelas ondas do mar e pelo vento frio vindo do oceano. 

Falésias de Moher (Cliffs of Moher), formação rochosa íngreme, localizada no lado oeste da Irlanda e aos pés do Oceano Atlântico, formada a mais de 300 milhões de anos, esculpida pela lenta e constante ação da água do mar.

Além das falésias e da cerveja irlandesa, muitos de nós lembra da Irlanda todos os anos, entre os dias 31 de outubro e 1º de novembro, quando boa parte do mundo ocidental celebra o Halloween (ou Dia das Bruxas) que teve início na Irlanda (e demais ilhas Britânicas) há dois mil anos. Essa era a data em que se celebrava o Samhain na cultura celta, quando se  acreditava que essa noite era mágica e que o véu que separava o mundo material do espiritual, estaria mais fino e os dois mundos se fundiam conforme a luz do Sol abaixava e o crepúsculo chegava. 

Os irlandeses comemoram tomando cerveja, mas nos últimos anos, como boa amante do vinho eu participei em variações destas celebrações aqui no Brasil, o Hallowine, tomando excelentes vinhos. Sinal dos novos tempos, inclusive na tradicional Irlanda onde as vinícolas estão prosperando e cada vez mais aumentado a sua presença em diferentes regiões do país, com preferência para a região Leste-Sudeste, junto ao Mar da Irlanda.

A tendência irlandesa de produzir vinho é nova, porém cada vez mais ela está se tornando uma realidade concreta, já que é possível encontrar várias áreas produtoras deste precioso líquido, em diferentes regiões do país, como Munster (Sul), Leinster (Leste) e Connacht (Oeste), conforme pode ser observado no mapa que segue onde estão salientadas algumas áreas vitivinícolas. 

À medida que o mundo aquece, a produção de vinho europeia fica mais ameaçada o que também traz novas oportunidades para produção de vinhos em latitudes antes desprezadas, ou consideradas impróprias, notadamente aquelas acima de 50°N, que é o caso da Irlanda. O país produz vinhos em várias regiões entre as latitudes de 52°N a 55°N, fora da tradicional região do zona do vinho na Europa (30°N a 50°N) porém, ainda não é um grande produtor.

Não podemos esquecer que a Irlanda e a Irlanda do Norte, tem seu território em uma ilha, cuja definição é “porção de terra rodeada por água por todos os lados”, o que, sem a menor dúvida define o clima do país e, lembrem-se, a uva detesta umidade excessiva.

O clima predominante na Irlanda é o temperado oceânico, bastante influenciado pela atuação da corrente marítima do Atlântico Norte. Os invernos são frios, com temperatura média de 4 ºC a 7 ºC podendo nevar no inverno, enquanto os verões são amenos com máximas de até 16 ºC.

As chuvas são bem distribuídas entre as estações do ano e acumulam volume anual de cerca de 1.650 mm.  Um dos maiores desafios para a vitivinicultura irlandesa é esse excesso de chuva e a falta de sol, uma vez que os índices pluviométricos são elevados durante todo o ano, como podem ser vistos nos gráficos, referentes a cidade de Cork na porção Sudeste e de Dublin na porção Centro-Leste do país. Como sabemos, as uvas não gostam de grandes acumulados de precipitação. 

Além da precipitação outro grande desafio para a vitivinicultura é a nebulosidade intensa durante a maior parte do ano, um aspecto característico do clima irlandês, justamente devido a proximidade com o mar.

À medida que as temperaturas aumentam a nível mundial, o clima da ilha torna-se cada vez mais propício à viticultura, fato inimaginável alguns anos atrás. Com os verões mais quentes e secos, especialmente ao longo das costas Sudeste e Leste, cria-se um ambiente onde as vinhas podem florescer, desencadeando uma indústria vinícola nascente num país mais habituado à produção de cerveja do que à produção de vinho.

James McWalter, autor do ensaio sobre a viabilidade da Irlanda se tornar um produtor de vinhos, identificou  Wexford e Waterford como os condados com maior potencial. Embora saliente que a Irlanda está protegida de geadas destrutivas graças à influência da Corrente do Golfo do Atlântico Norte, ele também conclui que “a Irlanda atualmente não tem GDDs  (Graus Dias de Crescimento) suficientes para a viticultura”… ainda.

Como mencionado a  Irlanda é um dos países produtores de vinho localizado mais ao norte, em latitudes maiores, fora da zona tradicional do vinho.  Além disso o fato de ser uma ilha seu clima é predominantemente  frio e úmido. Para que o cultivo da uva seja um sucesso neste clima elas precisam ser escolhidas e cultivadas com muito cuidado.

As  condições mais úmidas e frias na Irlanda significam que a maioria das variedades europeias teriam dificuldade em crescer com sucesso, por essa razão, muitos  produtores plantam variedades de uvas híbridas obtidas pelo cruzamento de Vitis Vinifera com outras variedades mais resistentes a doenças. No passado, estes cruzamentos não eram muito respeitados pelas regiões vitivinícolas estabelecidas, mas com as alterações climáticas, os produtores de climas quentes estão olhando de outra forma para os híbridos.

Algumas uvas que crescem bem na Irlanda, são a Rondo, a  Regent, a Solaris, a Phoenix e a Madeleine Angevine. Muitas delas são cultivadas também em outros páises europeus, como a Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Estados Unidos, Hungria, Inglaterra, Noruega, Quirguistão, República Tcheca, Romênia, Suiça e Suécia. Elas tem grandes chances de sucesso quando cultivadas também na Irlanda já que todos esses países compartilham climas semelhantes, uma vez alguns deles tem parte ou todo o seu território localizados fora da zona tradicional do vinho (30°N-50°N).

Muitas uvas que crescem com sucesso na Alemanha, na Inglaterra terão grandes chances de sucesso quando cultivadas também na Irlanda, já que todas compartilham climas semelhantes. Por mais improvável que pareça, variedades de uvas conhecidas também crescem tais como Cabernet Sauvignon, Chardonnay, Müller-Thurgau, Pinot Blanc, Pinot Noir e Reichensteiner. 

A produção de vinho irlandesa irá certamente aumentar nos próximos 50 anos, embora o aumento das chuvas possa causar problemas. Existem mais de uma dúzia de vinícolas espalhadas pelo país, algumas com pequenas operações dirigidas por entusiastas, outras bastante substanciais. As vinícolas estão crescendo em Cork, Waterford, Wexford, Condado de Westmeath, Tipperary, Condado de Mayo, Kilkenny, Louth, Dublin e provavelmente em outros lugares.

A Irlanda tem mais de uma dezena de vinícolas, entre elas:

  • Ballydrehid House Estate: Localizada em Cahir, Condad de Tipperary
  • Blackwater Valley Vineyard: Localizada em Mallow
  •  Longueville House: Localizada em Mallow
  • The Watergrasshill Vineyard: Localizada em Bartlemy

  • Thomas Walk Vineyard: Localizada em Kinsale 

  • West Waterford Vineyard: Localizada em Cappoquin, Condado de Waterford

Um fato pouco conhecido dos apreciadores de vinho é que a Irlanda está listada como país oficial produtor de vinho pela Comissão Europeia. A posição da ilha, um pouco mais ao norte do Equador terrestre, torna as condições de cultivo do vinho muito mais difíceis do que na Europa Continental, onde se encontram as regiões tradicionais produtoras de vinhos. 

Os vinhos irlandeses têm menos álcool e maior acidez. Eles tendem a produzir vinhos brancos, mas também produzem alguns tintos. Eles têm um conjunto diferente de sabores, mas podem ser muito bons. E, a medida que as vinhas envelhecem e os produtores aprendem mais como cultivá-las em condições tão adversas, os vinhos resultantes só podem melhorar.

Uma informação que eu creio que a maioria de vocês não sabe o vinho é confortavelmente a segunda bebida alcoólica mais popular do país. Em 2019 representou 29,3% da bebida  consumida, sendo superada apenas pela tradicional cerveja irlandesa que representou 40,2%. Já em 2020 o vinho representou 32,2% e a cerveja 38,9%. Este último ano correspondeu ao período da pandemia, quando as pessoas ficavam mais em casa devido as restrições de interação social. Passado esse período a cerveja voltou a ter a liderança, seguida pelo vinho.

Acessem esses vídeos sobre produção de vinhos na Irlanda, são muito interessantes

https://www.facebook.com/watch/?v=969879397955839

https://youtu.be/JR9n4a8U-jY

Se beber, não dirija!







GEOGRAFIA DO VINHO – OS VINHOS DAS REGIÕES DOS BALCÃS E EUROPA DO LESTE - PARTE 2

No dia 04/12/2024 publiquei o artigo “Geografia do vinho – Os vinhos das região do Mar Negro - Parte 1”, onde apresentei dois vinhos da Geo...